O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, reconheceu neste sábado (24) o massacre de armênios pelas forças otomanas como genocídio, um ato decisivo para os descendentes de centenas de milhares de mortos, que gerou protestos na Turquia.Militares armênios depositam flores no Memorial Tsitsernakaberd em Yerevan, em 24 de abril de 2021, em memória do 106º aniversário dos assassinatos em massa de armênios no final da Primeira Guerra Mundial pelas forças otomanas.© Karen MINASYAN Militares armênios depositam flores no Memorial Tsitsernakaberd em Yerevan, em 24 de abril de 2021, em memória do 106º aniversário dos assassinatos em massa de armênios no final da Primeira Guerra Mundial pelas forças otomanas.Biden se tornou o primeiro presidente dos Estados Unidos a usar a palavra genocídio no comunicado que a Casa Branca costuma emitir por ocasião do aniversário desse massacre, um dia depois de informar que o faria ao presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, buscando limitar a rejeição esperada do aliado na Otan.O presidente Recep Tayyip Erdogan fala durante uma entrevista coletiva após uma reunião do governo turco em 29 de março de 2021 em Ancara© Adem Altan O presidente Recep Tayyip Erdogan fala durante uma entrevista coletiva após uma reunião do governo turco em 29 de março de 2021 em Ancara“Nós nos lembramos das vidas de todos aqueles que morreram no genocídio armênio da era otomana e nos comprometemos novamente a evitar que tal atrocidade aconteça novamente”, declarou Biden.

“Lembramos para sempre estar vigilante contra a influência corrosiva do ódio em todas as suas formas”, acrescentou.

A declaração é uma grande vitória para a Armênia e sua extensa diáspora. Desde 1965, países como Uruguai, França, Alemanha, Canadá e Rússia reconheceram o genocídio, mas os Estados Unidos nunca chegaram a esse extremo.

O presidente americano frisou: “Não o fazemos para culpar, mas para garantir que o que aconteceu nunca se repita”.

O mandatário turco, porém, rejeitou as declarações de Biden neste sábado.

“Não beneficia ninguém que os debates – que deveriam ser realizados por historiadores – sejam politizados por terceiros e se tornem um instrumento de ingerência em nosso país”, criticou Erdogan em uma mensagem ao patriarca armênio em Istambul.

“As palavras não podem mudar ou reescrever a história”, tuitou o ministro turco das Relações Exteriores, Mevlut Cavusoglu, momentos após a declaração de Biden. “Não vamos aceitar lições de ninguém sobre a nossa história.”

Cavusoglu convocou o embaixador dos Estados Unidos, David Satterfield, neste sábado para expressar seu descontentamento, observando que a decisão de Biden causou “uma ferida nas relações que será difícil de reparar”, informou a agência de notícias estatal Anadolu.

Uma autoridade do governo americano afirmou que a intenção de Biden não era culpar a Turquia moderna, que ele chamou de “aliada chave da Otan”.

“A intenção da declaração – a intenção do presidente – é fazer isso de uma forma exemplar, focada nos méritos dos direitos humanos, e não por qualquer motivo além disso, inclusive para colocar culpa”, explicou o funcionário a jornalistas.

Um século de espera –

Estima-se que cerca de 1,5 milhão de armênios foram mortos entre 1915 e 1917 durante os últimos dias do Império Otomano, que suspeitava que a minoria cristã conspirava com o inimigo russo na Primeira Guerra Mundial.

A população armênia foi presa e deportada para o deserto da Síria, onde muitos foram baleados, envenenados ou morreram de doenças, segundo relatos de diplomatas estrangeiros da época.

A Turquia, que emergiu como uma república secular das cinzas do Império Otomano, reconhece que 300.000 armênios poderiam ter morrido, mas rejeita veementemente que tenha sido um genocídio, alegando que eles morreram em combate ou pela fome, assim como muitos turcos também morreram.

“A Turquia nunca vai reconhecer o genocídio. Isso nunca vai acontecer”, disse Aram Bowen, de 33 anos, à AFP em uma manifestação de várias centenas de membros da comunidade armênia em Nova York.

O reconhecimento de Biden é “o mais próximo que chegaremos do reconhecimento global”, acrescentou.

O reconhecimento tem sido a principal prioridade para armênios e armênio-americanos, que pedem indenizações, a restauração de propriedades pelo que chamam de ‘Meds Yeghern’, o Grande Crime, e mais apoio contra o vizinho Azerbaijão, com a ajuda da Turquia.

O Ministério das Relações Exteriores do Azerbaijão disse que os comentários de Biden “distorcem os fatos históricos sobre os eventos de 1915” e apoiou o apelo da Turquia para que as mortes sejam “estudadas por historiadores, não por políticos”.

O Azerbaijão derrotou a Armênia no ano passado em uma guerra pela disputada região de Nagorno Karabakh, na qual Ancara apoiou seu aliado Baku e deixou a Armênia traumatizada.

O primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, agradeceu a Biden por seu “poderoso passo em direção à justiça e seu inestimável apoio aos herdeiros das vítimas do genocídio armênio.”

Ao contrário de seu antecessor, Donald Trump, Biden tem mantido distância de Erdogan, e a ligação ao líder turco para informá-lo do reconhecimento do genocídio foi a primeira conversa entre os dois lados desde que o democrata chegou à Casa Branca, há três meses.

De acordo com autoridades, os dois líderes concordaram em se reunir em junho, paralelamente a uma cúpula da Otan em Bruxelas.

Além das declarações, a Turquia não anunciou imediatamente nenhuma medida de retaliação, em contraste com as medidas furiosas que já havia tomado sobre as decisões ocidentais em relação ao reconhecimento do genocídio.

As tensões com a Turquia aumentaram drasticamente nos últimos anos com a compra de um importante sistema de defesa aérea da Rússia – o principal adversário da Otan – e suas investidas contra combatentes curdos pró-americanos na Síria.

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