Pepe Escobar: A farsa do vazamento do Pentágono

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Os documentos secretos vazados poderiam ser vantajosos para a Rússia, se não forem uma tática de despistamento: e essa possibilidade é bem real

www.brasil247.com - Vista aérea do Pentágono
Vista aérea do Pentágono (Foto: REUTERS/Jason Reed)

O script soa como uma paródia saída diretamente da lendária tirinha “Spy versus Spy”, da  revista Mad da década de 60: Documentos Secretos do Pentágono Caem nas Mãos da Maligna Rússia. Bem, na verdade, nas mãos das milhões de pessoas que acessam o Twitter e o Telegram.

Aqui, portanto, ao que tudo indica, temos um vazamento de grandes proporções detalhando os planos do Pentágono para a próxima fase da guerra por procuração OTAN x Rússia na Ucrânia: a interminavelmente discutida “contraofensiva” de primavera, que talvez comece (ou não) em meados de abril, assim como os planos militares compartilhados com o  FVEY – os Cinco Olhos.

 Os documentos vazados poderiam – e a palavra-chave é “poderiam”  – ser vantajosos para a Rússia se não forem uma tática de despistamento: e a possibilidade é bem real.

O inestimável Ray McGovern, que sabe umas coisinhas sobre a CIA, perguntou se o Pentágono não estaria “falsificando as proporções de baixas militares para dourar os lírios da Páscoa em Kiev. O vazamento recente de um documento aparentemente oficial da OTAN mostra 71.500 ucranianos mortos em combate contra apenas entre 16.000 e 17.500 russos, um número totalmente diferente das “estimativas” anteriores do Pentágono. Tudo isso soa tanto como um déja-vu do Vietnã!”

Então, talvez se trate mesmo de uma reprise do Vietnã – nunca esperem que o Pentágono seja capaz de aprender com os próprios erros – mas poderia também ser algo de muito mais alarmante, segundo uma fonte de primeiro escalão do serviço secreto do Beltway, hoje aposentado:  “Nossa interpretação dessa falha é que fontes dos serviços de inteligência dos Estados Unidos deixaram vazar dados secretos de importância crítica a fim de evitar uma guerra nuclear com a Rússia”.
 Nas atuais circunstâncias, a única certeza é que a guerra das versões pirou de vez. O responsável pelo vazamento pode ter sido um membro – descontente – dos círculos internos do governo dos Estados Unidos. Não, espera: tudo isso pode ser uma farsa, como insiste o Pentágono.  Na linguagem das versões, seria uma tentativa de “espalhar informações falsas que poderiam ser nocivas aos Estados Unidos”.

Manipulada ou não, a proporção comparativa das baixas em combate russas e ucranianas ainda assim não faz sentido. Os números parecem refletir as baixas ocorridas em Bakhmut/Artemovsk, onde a proporção das baixas russas foi mais alta. No entanto, correspondentes russos confiáveis posicionados no terreno asseguram que a proporção foi de 10 para 1, com os russos empregando a técnica caramujo combinada a uma formidável artilharia tipo máquina de moer carne.

Incompetência “estarrecedora”  

A indiscutível conclusão a ser tirada dos vazamentos – reais ou forjados – do Pentágono é que os Estados Unidos estão em estado de guerra contra a Rússia. E isso já é suficientemente grave.

Washington vem, incessantemente, fornecendo informações sobre postos de comando, depósitos de munição e nós críticos das linhas militares russas. Essas informações são passadas em tempo real, permitindo a Kiev atacar forças russas,  matar generais de alta patente e forçar que depósitos de munição sejam deslocados para mais longe das linhas de frente russas.

Qualquer coisa que os taquígrafos do Pentágono/OTAN disserem sobre o papel decisivo desempenhado por Kiev no planejamento e na execução desses ataques é uma mentira. Os Estados Unidos exercem controle total e absoluto  sobre a guerra na Ucrânia a partir de bases de comando central. Inclusive daquele bunker subterrâneo “secreto” próximo a Lviv, que recentemente recebeu um cartão de visitas do Sr.  Khinzal e partiu desta para melhor, levando consigo mais de 200 agentes de alto nível da OTAN.

Farsa ou não, o vazamento também confirma que o Pentágono tem acesso direto às comunicações do Ministério da Defesa da Rússia. E que os americanos mantêm a todos e mais alguns sob escuta: o ator de camisetas suarentas, todos os aliados dos Cinco Olhos e a Mossad.

Quanto à ideia de que Kiev teria alterado seus “planos militares” contraofensivos em razão do vazamento dos documentos do Pentágono, todos devem se sentir à vontade para controlar a altura de suas estrondosas gargalhadas.

A reação não-reativa dos russos a todo esse estardalhaço pode ser vista como um caso clássico de despistamento. Reagindo ao fato de os Estados Unidos estarem de fato engajados em uma guerra não-declarada contra a Rússia, muito mais quente do que Híbrida, o Presidente Putin disse que a Rússia está interessada em “coexistência pacífica com os Estados Unidos e em criar um equilíbrio de interesses”, dado que os dois países têm o status de as maiores potências nucleares de todo o mundo.

Bem, ninguém conseguiria imaginar Stalin afirmando que a Rússia estaria interessada em coexistência pacífica com a Alemanha nazista em julho de 1941, enquanto a  Wehrmacht avançava sobre Moscou, Leningrado e sobre o petróleo do Cáucaso.

Quanto a informações militares valiosas, o indispensável  Andrei Martyanov resumiu a situação: esses “documentos” não contêm informação nenhuma, além de mostrar que o Pentágono não faz a mínima ideia sobre a Operação Militar Especial: por que ela está acontecendo, qual seu modus operandi e o que ela planeja alcançar.

O porta-voz do Kremlin Dmitri Peskov  foi direto ao ponto: “Não temos a menor sombra de dúvida quanto ao envolvimento direto ou indireto dos Estados Unidos e da OTAN (…) que não conseguirá influenciar o resultado final da operação especial”.

Como ressalta Martyanov, a Rússia manobra um complexo extremamente avançado de IVR (Inteligência, Vigilância e Reconhecimento), que inclui agentes humanos no terreno, guerra eletrônica e constelações de satélites: “Em termos de correlatos de guerra e estatísticas de combate,  eu jamais tocaria em algo vindo do Pentágono nem com uma vara comprida”.

Há, na verdade, vários problemas graves com os documentos “segredo máximo” do Pentágono. Eles exalam a impressão de terem sido redigidos com base em dados abertos ao acesso público, e não em trabalho de inteligência.  E tudo pessimamente embrulhado.

Por exemplo, a insistência em ” reequipar” a defesa aérea da Ucrânia com mísseis não é embasada em dados detalhando de onde viriam esses mísseis. O nome do NASAMS – o sistema de defesa aérea de médio alcance com base no solo co-desenvolvido pela Raytheon – tem erro de ortografia.

Nos documentos oficiais da OTAN, os armamentos da URSS e da Rússia são citados usando a codificação da OTAN. Não há uniformidade de estilo: o que temos ali é uma mistura caótica de designações em código oficial e de transliterações de russo para o inglês.

Não é de admirar, portanto, que fique uma sólida impressão de que o Comando do Exército dos Estados Unidos na Europa (EUCOM) tenha obtido suas “informações” a partir de fontes abertas, e que eles não fazem a mínima ideia sobre quantas armas, equipamentos e homens os ucranianos de fato possuem.

E isso explica o que vem ocorrendo em Artemovsk – onde os russos não vêm tendo a mínima pressa em calibrar sua defesa estratégica e, após abandonar Kherson de forma ordeira, atrair os ucranianos para um matadouro sem fim. Martyanov qualifica de “estarrecedora” a incompetência dos Estados Unidos/OTAN  em ver o que vem pela frente.”

Uma guerra tudo-ou-nada pelo controle da Eurásia  

Mais uma vez: a consequência mais importante dos vazamentos do Pentágono é deixar estabelecido que os Estados Unidos, de direito e de fato, estão em guerra com a Rússia – seja qual for a narrativa inventada por aquele pedaço de pau seco norueguês de Bruxelas. A Rússia irá instaurar um tribunal de crimes de guerra para a Ucrânia, de modo que, em uma data mais próxima que o esperado, uma seleção de luminares do Coletivo Ocidental fará melhor em buscar refúgio em seus bunkers na Nova Zelândia.

É de importância crucial, também, ter em mente que a Ucrânia não passa de um mero peão nesse jogo contra a China, a Rússia e, potencialmente, a Alemanha, cujo objetivo é não perder o poder mundial.

O objetivo inicial dos imbecis neocons straussianos era isolar a Alemanha da Rússia usando o Chanceler “Salsichão de Fígado”  Scholz, que foi informado com antecedência do ataque terrorista Nord Streams.

Scholz também esteve envolvido na tramoia de despistamento da CIA, que canalizou a culpa pelo ataque terrorista para algum obscuro “dissidente” ucraniano e seu vagabundíssimo iate alugado – segundo a brilhante cobertura de Seymour Hersh.

O próximo passo é isolar a Ucrânia da Rússia – “reconquistando” a Crimeia, o foco da atual  blitzkrieg de relações públicas, e o Donbass, dando origem, assim, a uma cataclísmica sublevação psicológica na Rússia, que levaria à queda de Putin e a uma mudança de regime.

Os straussianos, então, finalmente, teriam sob seu controle os imensos recursos naturais da Rússia – isolando-os da China por terra e por mar, usando a frota da Marinha dos Estados Unidos.

Essa não é exatamente uma ideia inteligente – mas os neocons straussianos adoram se espojar em sua poça intelectualmente rasa. Aqui entra aquele insuportável idiota, o Almirante John Kirby, dizendo que não poderá haver negociações com a Rússia até que eles saiam da Ucrânia, abandonando o Donbass e a Crimeia.

Então, a guerra (espetáculo) na Ucrânia tem que continuar até o último ucraniano, caso contrário, todos esses planos elaborados fatalmente irão para o vinagre. Essa é uma guerra tudo-ou-nada contra a Rússia-China pelo controle da Eurásia. Isso implicaria mais vazamentos do Pentágono? Manda vir.

Tradução de Patricia Zimbres

Fonte: Brasil 247

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