Palestina: é possível paz sem justiça? 4

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Natalia Forcat para Oriente Mídia

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Após a visita do Papa Francisco à Palestina e alguns locais de Israel (vários deles, territórios palestinos usurpados), muitas incertezas e alguns ressentimentos pairam no ar. Cada parte do conflito tentou capitalizar a peregrinação, ou parte dela, como uma prova de apoio mas o fato é que a jornada, que pretendia ser meramente religiosa, acabou virando um ato político desnorteado, cheio de gestos dúbios, ora rebelando ou insinuando comprometimento com um lado, ora com o outro, e desta forma decepcionando os que tinham colocado expectativas demais na visita de Sua Santidade a uma região que está em conflito há mais de 70 anos.

Uma das principais críticas que o Papa tem recebido foi ter colocado ambos lado do conflito num mesmo patamar, sendo que na verdade existem, de um lado um estado racista, altamente militarizado e opressor, dono de um dos lobbies mais poderosos do mundo e do lado palestino, uma população oprimida, que sobrevive muitas vezes apenas  da boa vontade de ONGs que fornecem o básico, além de sofrer todo tipo de humilhação e violência por parte de Israel, sem falar nos milhares de presos políticos detidos sem julgamento, inclusive crianças. Todo este aspecto do conflito foi ocultado por trás de um discurso pacifista vazio, no qual a tentativa de dar mais ênfase na questão religiosa tirou o foco da realidade crua da ocupação, o que acaba favorecendo o opressor.

Free Palestine

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Um dos gestos mais comentados, e que emocionou profundamente o povo palestino presente, foi a abrupta interrupção do roteiro da viagem para rezar em frente ao “muro da vergonha”, exatamente onde podia ser vista a frase “Free Palestine”. Muitos interpretaram este gesto ousado como uma prova incontestável do apoio do Vaticano à libertação da Palestina. Sem dúvida o Vaticano aprova a criação de um estado palestino, isso foi sinalizado em diversas ocasiões. É claro que o simples apoio à criação de um Estado Palestino, sem falar em fronteiras ou qual seria a autonomia e soberania real desse estado, é totalmente vazio, mas não deixa de ter aspectos positivos. Anos atrás a possibilidade da existência de um Estado Palestino era algo que sequer se debatia na mídia corporativa, ter agora uma instituição do peso do Vaticano dando suporte a esta proposta não pode ser menosprezado. E isto é uma conquista dos palestinos e de milhares de ativistas que através de campanhas de vários tipos (flotilhas, redes sociais, atos, palestras, BDS, boicote acadêmico, etc) tem dado visibilidade a um drama que a mídia hegemônica ocultou por tanto tempo. E também é uma conquista da diplomacia palestina.

Outro gesto interpretado como positivo foi a escolha de chegar à Terra Santa pela Jordânia, que é parte da Palestina histórica e já fez parte da Grande Síria, onde o Sumo Pontífice rezou às margens do Rio Jordão (local onde São João batizou seu primo Jesus) e partiu de helicóptero para Belém, em mais um gesto de reconhecimento do Estado Palestino. Chegando a Belém, a comitiva alterou o roteiro oficial e passou pelo vergonhoso Muro do Apartheid, através do qual Israel usurpa territórios, divide famílias e tenta tornar invisível a presença árabe na região. Em determinado momento, Francisco pediu para que a comitiva se detivesse, desceu e caminhou até os blocos de concreto, encostou sua cabeça neles e após alguns minutos de oração, declarou: “Este conflito é inaceitável, deve terminar logo”. Um momento histórico captado por milhares de fotógrafos que estavam presentes.

No encontro com Mahmoud Abbas fez questão de chamar o mandatário de Presidente do Estado Palestino, outro claro sinal de apoio.

Do outro lado do muro

De Belém, Sua Santidade se dirigiu a Telavive, onde foi recebido por autoridades sionistas. E é aqui que as contradições da viagem começam, contradições estas que tem gerado muitas críticas entre os que apoiam os direitos dos palestinos, pois ao aceitar visitar o túmulo de Theodor Helz, fundador do movimento sionista, o Papa deixou de lado o aspecto ecumênico do encontro para prestar apoio e legitimar um movimento político que provocou massacres, limpeza étnica e guerras, assim como o surgimento de movimentos terroristas como o Haganá e o Irgun.

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O próprio muro que o Papa tinha acabado de condenar, e no qual ele encostou a sua cabeça num sinal de solidariedade, é filho e consequência direta da visão racista, colonialista e sectária do fundador do movimento sionista e o Papa Francisco tem pleno conhecimento disso. Então, como podemos interpretar este gesto? Alguns consideram que o Papa fez acordos para preservar locais sagrados dos católicos, outros denunciam que está acontecendo uma virada política dentro do Vaticano, há também os que preferem não ver nada e os que diminuem a importância do gesto. A verdade é que pouco podemos saber agora sobre os acordos que podem ter sido costurados nestes encontros, será preciso observar os próximos acontecimentos e também prestar especial atenção a como o Ocidente protestante anglo-saxão interpretará esta interferência do Vaticano num conflito que os protestantes estavam tão empenhados em “resolver”.

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4 thoughts on “Palestina: é possível paz sem justiça?

  1. Responder Claude Fahd Hajjar maio 28,2014 19:02

    Uma reflexão importante sobre a visita do Papa Francisco á Palestina Ocupada.o autor procurou mostrar a contradição vivida pelas maiores autoridades do mundo: o conflito entre a justiça e o apoio ao povo palestino e o “politicamente correto” aceitar os diferentes disparates colocados e fabricados pelo Estado de Israel e o seu eterno apelo de “povo perseguido”. . .hoje quem persegue quem?

  2. Responder Alfredo Braga jun 3,2014 16:47

    Corretíssimos os comentários de Natália Forcat quanto à aparente ambiguidade do papa Bergoglio neste tour mediático na Palestina.
    Por outro lado, se ela lembrasse a relação desse papa com a Sinagoga, poderia nos explicar melhor não só as aparentes contradições da “política” do Vaticano para o Oriente Médio, mas principalmente as recentes declarações papais sobre a própria Igreja Católica.

  3. Responder Natalia Forcat jun 6,2014 1:03

    Olá, Alfredo. Bergoglio vem de uma tradição ecumênica e tem realizado gestos de aproximação com outras religiões que podem ser considerados bem ousados para um religioso do seu quilate, tanto em relação a muçulmanos, como protestantes, judeus e ortodoxos. Ele chegou publicar na Argentina um livro chamado “Sobre el cielo y la Tierra“, escrito junto com o rabino Abraham Skorka. Até ai tudo bem, particularmente não vejo nenhum problema com este tipo de aproximação mas o fato de ter visitado o túmulo do fundador do sionismo extrapolou completamente o âmbito religioso. Em muitos sites sionistas foi apontado como um evidente gesto de apoio ao movimento. Infelizmente não tenho o conhecimento suficiente para descifrar o gesto e não gosto de cair em “achismos” e muito menos em conspiracionismos mas de qualquer forma acho no mínimo preocupante e decepcionante.

    Obrigada pelo seu comentário.

    • Responder Alfredo Braga jun 6,2014 14:45

      Prezada Natalia Forcat,
      Obrigado por responder ao meu comentário.
      Se você acha louvável o ecumenismo esparramado de Bergoglio e a leniência e troca de afagos com a Sinagoga, porquê agora lhe há de parecer contraditória a visita do Chefe do Estado do Vaticano ao túmulo do santificado fundador do Sionismo Internacional, esse longo braço armado da nova Religião do Holocausto? Por trás de tantos gestos “politicamente corretos” e midiáticos, não foi esse o único ato verdadeiramente significativo e acachapante do pontífice Bergoglio?
      Seriam perguntas como essas que lhe faço, o que você mostra desgostar como “achismos” e “conspiracionismos”?

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