Mudanças atmosféricas sobre a Síria

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Traduzido por Vila Vudu

“E sempre pode acontecer de Erdogan descobrir que ele – como Cameron – talvez tenha de deixar o poder muito antes de o Dr. Assad sequer ter de considerar a necessidade de abandonar seu posto.”


Com Cameron deixando o posto de primeiro-ministro do Reino Unido, deixa o palco político principal mais um figurão de alto escalão que ‘exigia’ que “Assad tem de sair”. O presidente da Síria continua onde sempre esteve, no governo de seu país, e não há nem sinal de que venha a sair de lá em futuro cogitável. Tudo sugere que os fatos da vida real ainda tenham mais peso que as asnices da propaganda pró “mudança de regime”.

Os fatos persistem a dizer que há, pois, outra vez, alguns ventos de mudança real detectáveis na atmosfera política.

O exército sírio e seus aliados estão bloqueando a única estrada que leva aos setores ocidentais de Aleppo. Esse esforço requer intensos combates de luta urbana (vídeo) contra terroristas jihadistas. Segundo um porta-voz do Pentágono, seria serviço que caberia à al-Qaeda:
Trata-se primariamente da Frente al-Nusra que ocupa Aleppo e, claro, a Frente al-Nusra não é parte da cessação das hostilidades.
Todos os ataques contra Aleppo-leste são pois completamente legítimos e não agridem o cessar-fogo.

Pois apesar disso, mais uma campanha de “indignação” jornalística será inventada para condenar o “sítio de Aleppo” que o bloqueio estaria criando. Essas peças de propaganda de “indignação”, como essa que se vê hoje no LA Times, sequer admite que o oeste de Aleppo, onde vivem cerca de dois milhões de pessoas, mantém ao lado do governo Assad.  Falam de “Aleppo”, como se fosse constituída só das partes orientais. Também exageram o número de civis que restam em Aleppo-leste, como se fossem centenas de milhares. O jornalista Martin Chulov, do Guardian viajou várias vezes a Aleppo-leste ao longo dos últimos anos. Noticiou há um ano, que o número é muito menor:
Os que permanecem em Aleppo-leste, não são mais de 40 mil, de uma população estimada em um milhão, antes da guerra (…).
É duvidoso que o número de habitantes de Aleppo-leste tenha aumentando desde então. Houve tempo suficiente também para que os combatentes e suas famílias em Aleppo-leste se preparassem para enfrentar um sítio. Como até o LA Times admite na mesma matéria:
Prevendo o sítio que viria, autoridades locais estocaram comida para três meses e suprimentos médicos para seis meses, disse Sahloul.
Artigo da Reuters confirma isso:
Áreas rebeldes de Aleppo estocaram suprimentos básicos para sobreviver a meses de sítio (…)
As ‘notícias’ sobre fome iminente em Aleppo-leste já ficam pois desmentidas desde já.

A mudança na atmosfera política é uma convergência entre a visão russa e a visão ‘ocidental’ sobre quais grupos são terroristas na Síria e, portanto, têm de ser combatidos. Essa convergência acompanha uma mudança na perspectiva do público.

A ONG Anistia Internacional recentemente denunciou, embora com seis anos de atraso, que vários grupos de “rebeldes moderados” apoiados pelos EUA torturam e sequestram civis e cometem incontáveis crimes de guerra. Os “rebeldes moderados” que recentemente tentaram nova ofensiva em Latakia ostensivamente se apresentam e se autopromovem como Jihadistas estrangeiros. O grupo Ahrar al Sham, que há pouco tempo escrevia colunas para veículos ‘ocidentais’ nos quais o grupo se autodeclarava “moderado”, hoje está ameaçando “moderados” apoiados pelos EUA no sul da Síria, porque estão cansados de lutar e ter de fingir que mantêm o cessar-fogo.

O presidente francês François Hollande finalmente reconheceu a al-Qaeda como importante inimigo na Síria, contra o qual é preciso lutar:
“Temos de nos coordenar entre nós para manter as ações contra o Daech, mas também (…) empreender ação efetiva contra a Frente Al-Nusra” – disse Hollande, em apelo dirigido a Rússia e EUA.
No passado, em 2012, o governo francês elogiava o papel da al-Qaeda. O ministro de Relações Exteriores Fabius disse que “Nusra faz bom trabalho.”

O secretário de Estado dos EUA John Kerry não apenas reconheceu o papel da al-Qaeda mas agora já estende o título de terroristas também ao grupo Ahrar al-Sham e outros grupos salafistas:
“Há alguns subgrupos abaixo dos dois citados — Daech e Jabhat al-Nusra — particularmente Jaysh al-Islam e Ahrar al-Sham — que se desligaram e lutam ao lado daqueles outros dois algumas vezes contra o regime Assad”, disse Kerry, referindo-se a dois grupos rebeldes que os EUA até agora não declararam “grupos terroristas”.
É concessão muito significativa à posição russa, que durante meses tem insistido que esses grupos sejam acrescentados à lista das organizações terroristas da ONU.

É também notável que a oposição “de hotel” patrocinada por sauditas e EUA esteja novamente pronta para negociar com o governo sírio. Aquele grupo interrompeu as negociações durante a rodada anterior. Agora, alguém ordenou que voltem ao jogo.

Os russos mais uma vez mostraram compromisso com a Síria. Não apenas apoiam o exército sírio no sítio de Aleppo leste, mas também retomaram os ataques aéreos com bombardeiros de longo alcance que partiram do solo russo. Claro sinal de que a Rússia está tão disposta como sempre a escalar novamente.

O principal movimento provavelmente é o que acontece na Turquia. Depois de ter feito completa confusão da política externa turca, sob pesada pressão econômica e assustado ante os recentes ataques terroristas em solo turco, o presidente Erdogan decidiu mudar de rota. Descartou Davutoglu, seu auxiliar de longa data, e buscou melhores relações com Rússia e outros países. Depois de Erdogan ter pedido desculpas por ter emboscado um jato russo, a Rússia reatou relações e levantou algumas sanções econômicas impostas à Turquia. Mas será preciso atender a outras demandas, antes de a Turquia poder gozar novamente de boa posição internacional. Já houve troca de palavras mais doces, mas a verdadeira posição dos turcos quanto à Síria ainda terá de mudar muito:
“A normalização da Síria é possível, mas todos têm de fazer sacrifícios para que aconteça. Nossos parceiros estratégicos e a coalizão devem curar a ferida que ainda sangra na Síria e assumir maiores responsabilidades. A Turquia está empreendendo os necessários esforços para abrir as portas da paz e da segurança” – disse Yıldırım.

Mas Yıldırım disse que não haverá encontros com os sírios no curto prazo. “Antes, a opressão tem de acabar. O regime ditatorial tem de acabar. O que haverá a acordar com regime que matou mais de meio milhão do próprio povo sem piscar um olho? Quanto a isso, todos estão de acordo” – disse ele.
Ainda é “Assad tem de sair”, mas já se nota leve mudança de tom. A nova posição de EUA e França sobre a al-Qaeda e Ahrar al-Sham, os dois grupos ajudados pela Turquia, aumenta a pressão para que Ancara suavize sua posição ainda rígida. E sempre pode acontecer de Erdogan descobrir que ele – como Cameron – talvez tenha de deixar o poder muito antes de o Dr. Assad sequer ter de considerar a necessidade de abandonar seu posto.

Por mais que os itens acima sejam por si sós apenas pequenas mudanças de posição, eles, somados, resultam em mudança significativa na atmosfera política sobre a Síria.*****

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