Intervenção russa na Síria: Semana 10. Obsessão com “Assad tem de sair” levou à guerra com Rússia, Irã e Hezbollah 1

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12/12/2015, The Saker, Unz Review The Vineyard of the Saker

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“Noticiário” de que Israel e Turquia estão violando sistematicamente a lei internacional não é absolutamente novidade. Afinal, todos sabemos que a Turquia tem bombardeado regularmente os curdos no Iraque e Síria; que a Turquia ainda ocupa ilegalmente o norte de Chipre, exatamente como os israelenses têm bombardeado Síria e Líbano há décadas e que continuam a ocupar ilegalmente a Palestina. Desenvolvimento interessante essa semana é que França, Reino Unido e Alemanha decidiram unir-se a esses estados bandidos e agir como turcos e israelenses, todos com intervenções ilegais ativas na Síria – em direta violação da lei internacional – supostamente para dar combate ao Daesh.

E apesar de ser o Daesh o inimigo oficial, já ‘aconteceu’ que posições do exército sírio foram bombardeadas pela Força Aérea dos EUA e os israelenses bombardearam depósitos de mísseis do Hezbollah. Aparentemente, a política de “Assad tem de sair” continua na ordem do dia.

Em certo sentido, pode-se argumentar que o ocidente (re)afirmou agora o princípio de que “a força faz o direito” e que ameaças e violência ainda são a única “política” do Império, no lugar de política legal, negociada. O problema com isso é que o “outro lado” sente intensamente que render-se às ‘exigências’ do Império simplesmente não é opção.

O alerta russo:

De fato, isso já vem assim há anos. Desde a decisão de bombardear a Sérvia até a recente decisão do FMI de resgatar a Ucrânia, em direta violação das regras do próprio FMI (as quais, parece, terão agora de ser reescritas), o Império Anglo-Sionista já começou a violar suas próprias ditas “regras” e “princípios” que persistiram durante anos, tudo isso recebido com indiferença quase totalmente generalizada ante o fim da ordem mundial acordada depois da 2ª Guerra Mundial. A grande diferença hoje é que a arrogância temerária e irresponsável do Império agora já o pôs em confronto direto com as Forças Armadas Russas as quais, ao que se pode ver, não parecem dispostas a aceitar esse tipo de bandidagem e reagirão e lutarão, se forem atacadas: na fala anual à Assembleia Expandida da Federação Russa e do comando do Ministério da Defesa da Rússia, o presidente Putin indicou claramente que o fato de a Rússia ter escolhido não retaliar contra a Turquia foi caso excepcional:


Quero alertar os que talvez tentem novamente organizar qualquer tipo de provocação contra nossos soldados: já tomamos providências adicionais para garantir total segurança aos soldados russos e à base aérea. As instalações foram reforçadas por novos esquadrões de força aérea e defesas aéreas. Nossa aviação de ataque voa agora com plena cobertura de forças de combate. Ordeno que todos ajam com extrema firmeza e total decisão. Todos e quaisquer alvos que ameacem grupo russo ou nossa infraestrutura terrestre devem ser imediatamente destruídos.

Aqui, Putin está alertando a Turquia e, na verdade, toda a OTAN e o Império, para que saibam que, da próxima vez, a Rússia responderá fogo com fogo, imediatamente. Também se vê aí que as forças russas na Síria já receberam autoridade para responder a qualquer tipo de ataque e não será preciso requerer qualquer tipo de autorização de nível superior para devolver fogo. É verdade que não é o primeiro caso.

A Hornet aircraft with air-to-air missiles onboard

A Força Aérea britânica, RAF, também recebeu ordens similares em outubro, mas a capacidade de SU-30SMs e até de SU-34s para derrubar até as aeronaves ocidentais de 4ª geração é indiscutível, posto que a ideia de que antiquados Tornados possam derrubar um SU-30SM não passa de fantasia (por mais que a mídia-empresa britânica insista que seus aviões dos anos 1970s “são capazes de derrubar do céu qualquer aeronave”). Os russos, sim, têm os meios e a decisão.

Mas e o ‘ocidente’, será que levará a sério os alertas russos?

O contraexemplo israelense:

O contraste entre os países da OTAN e Israel não poderia, nesse caso, ser maior. Bibi Netanyahu, de longe o mais inteligente ator no Império Anglo-Sionista, viajou imediatamente a Moscou para sentar-se com seus contrapartes russos e construir alguma espécie de negócio que permita que russos e israelenses operem para alcançar seus objetivos, sem risco de tiroteios perigosos.

Quando aconteceu a primeira incursão da Força Aérea Russa no espaço aéreo de Israel, os israelenses trataram o evento como coisa absolutamente sem gravidade. O ministro Ya’alon, da Defesa de Israel, declarou:
Houve intrusão mínima (1,6km) em nosso espaço aéreo, por avião russo vindo da Síria, mas foi resolvida imediatamente, e o avião russo retornou em direção à Síria. Parece ter sido erro do piloto, que voava próximo ao Golan. Nenhum avião russo tem intenção de nos atacar, motivo pelo qual não devemos reagir com automatismo e derrubar um avião cada vez que ocorra um engano“.
Mais tarde, um assessor de Ya’alon, o general da reserva, Amos Gilad, disse, em evento semanal em Talavive que aviões russos já entraram vez ou outra em espaço aéreo israelense – mas que “a íntima cooperação entre Rússia e Israel” vis-à-vis operações na em torno da Síria sempre impedem que ocorram mal-entendidos.

O contraparte do lado russo foi igualmente óbvio, embora não admitido oficialmente: quando os israelenses bombardearam um depósito de armas do Hezbollah próximo a Damasco, os russos “olharam para o outro lado”. Considerando que quase ao mesmo tempo os soldados do Hezbollah arriscavam a vida para resgatar um aviador russo cujo avião havia sido abatido, a reação russa não pode ser considerada exemplo de moralidade. Mas os homens do Hezbollah também são muito realistas: basta ver o modo como aliavam-se firmemente com Assad mesmo quando ainda havia tortura da Síria a serviço da CIA (o infame programa de “entregas especiais”), ou quando Imad Mughniyeh foi assassinado, com visível cumplicidade de membros do governo de Assad).

Os líderes do Hezbollah compreendem claramente o que se passa aqui: goste-se ou não, Rússia e Israel têm um “relacionamento especial” o qual, embora absolutamente não seja casamento por amor, é combinação poderosa de duro realismo, muitas vezes bem próximo do cinismo, e um reconhecimento mútuo de que nenhum desses dois lados deseja conflito aberto. Nesse caso, os israelenses foram claramente informados de que a intervenção russa para salvar a Síria das garras do Daesh não é item negociável, mas que a Rússia não tem intenção de proteger o Hezbollah das ações de Israel, enquanto tais ações não ameaçarem os objetivos russos na Síria. Também competente realista, Netanyahu aceitou os termos do acordo.

Apesar de ter havido alguma confusão quanto a isso, meu entendimento é que, ao mesmo tempo em que os russos instalaram o S-400 na Síria, há indícios de que os sírios tenham recebido pelo menos algumas baterias S-300 e é possível que as tenham usado contra os israelenses em pelo menos uma ocasião.

O que é absolutamente garantido em termos da legislação internacional é que os sírios têm direito de atirar contra aeronaves norte-americanas, francesas, alemãs, turcas ou de qualquer outra bandeira que voem em espaço aéreo sírio, e que, caso aconteça, os países estarão violando lei internacional e não poderão alegar autodefesa.

Por extensão, também significa que a Rússia também tem direito de derrubar qualquer aeronave ou sistema de armas instalado em terra ou mar e que esteja atacando aeronave russa. Infelizmente, políticos e mídia-propagandistas ocidentais (também conhecidos como “jornalistas”) farão de tudo para que nenhuma dessas evidências seja jamais noticiada ou, mesmo, mencionada. E se alguém se atrever a realmente propor a pergunta certa, os funcionários do ‘ocidente’ entrarão em surto.

Foi precisamente o que aconteceu recentemente entre a repórter Gayane Chichakyan de RT e o porta-voz do Departamento de Estado John Kirby. Vejam com seus próprios olhos: https://youtu.be/aMS8tYFk9Bc

O alerta iraniano:

A Rússia não é o único país que tem repetidas vezes alertado o ‘ocidente’ sobre os perigos de permanecer paralisado numa política de “Assad tem de sair”: o Irã também tem repetido esses alertas. O mais recente veio diretamente de Ali Akbar Velayati, conselheiro do Líder Supremo da Revolução Islâmica do Irã para política exterior, que abertamente declarou que Bashar al-Assad é presidente legal e legítimo da Síria, e que “para o Irã, [a permanência do presidente Assad] é linha vermelha intransponível.”

Velayati disse também que “só o povo sírio, que elegeu Assad, tem legitimidade para decidir sobre o futuro do próprio povo (…) e nenhum país estrangeiro poderá interferir nos assuntos internos da Síria“.

Como se não bastasse, mais um alto funcionário iraniano, o presidente do Parlamento do Irã, Ali Larijani, disse quea Rússia não precisa de qualquer acordo prévio para usar o espaço aéreo do Irã para bombardear alvos em território da Síria” (em outras palavras: tal acordo já foi negociado e já é vigente).

Considerando que Larijani e Velayati são dois dos funcionários mais influentes e autorizados no Irã, só se pode concluir que os iranianos estão declarando abertamente que apoiam integralmente os esforços dos russos na Síria. E isso, por sua vez, significa que o Irã enviará tantos “coturnos em solo” quantos sejam necessários para impedir que o Daesh tome Damasco. Esse é o outro fator crucial sobre o qual o ‘ocidente’ ainda tenta desesperadamente não pensar.

A narrativa ‘ocidental’ tenta atualmente mostrar que seria a Rússia (e só a Rússia) que estaria mantendo Assad no poder. Não. Absolutamente não é verdade.

A realidade é que ambos, o Hezbollah e o Irã são inteiramente comprometidos em impedir que o Daesh derrube o governo sírio, e esse compromisso vai além das palavras: o Hezbollah enviou centenas de seus melhores combatentes para a Síria; e o Irã também enviou milhares de soldados, a maioria dos quais da Brigada al-Quds, para a guerra na Síria.

O que esse nível de determinação mostra é que, exatamente como a Rússia, o Irã e o Hezbollah já concluíram que seus interesses vitais, existenciais, estão ameaçados e que não lhes resta alternativa, além de combater o Daesh. Entendo que essa avaliação é absolutamente certa.

Assim sendo, a questão chave aqui é a seguinte: será que as elites do estado profundo que governam o Império Norte-americano compreendem que nem Rússia, nem Irã ou o Hezbollah sequer cogitam de retroceder e aceitar uma vitória do Daesh na Síria? O líder do ‘ocidente’ dá-se conta de que Rússia, Irã e Hezbollah absolutamente não podem permitir que o Império derrube Assad?

Haverá alguém por lá que ainda não tenha visto que a “política de Assad tem de sair” implica guerra contra Rússia, Irã e Hezbollah? Só há um meio de evitar uma guerra: desistir, mesmo que de início a coisa continue a ser negada publicamente, da política de “Assad tem de sair”.

[assina] The Saker

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Um comentário sobre “Intervenção russa na Síria: Semana 10. Obsessão com “Assad tem de sair” levou à guerra com Rússia, Irã e Hezbollah

  1. Responder mauro fernandez dez 16,2015 11:56

    Mais um artigo inteligente e equilibrado.Parabéns

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