Fracassou a ‘Pressão Máxima’ contra o Irã.  E agora? Biden fará o quê?! 

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4/8/2021, Moon of Alabama

Há uma semana, escrevi sobre a fracassada política exterior de Biden. Em relação ao chamado ‘acordo nuclear do Irã’ (oficialmente Joint Comprehensive Plan of Action, JCPOA), observei:

Durante sua campanha, Biden prometeu voltar a se integrar ao ‘acordo nuclear com o Irã”. Nada foi feito. Conversas com Teerã começaram tarde demais e traziam novas demandas que o Irã não pode aceitar sem reduzir as próprias defesas militares.

A arrogância do governo Biden está acintosamente à vista na crença de que os EUA poderiam dar ordens e ditar termos do acordo ao Teerã:

Não foi o Irã que abandonou o acordo JCPOA endossado pela ONU. Mas foram os EUA que voltaram ao acordo e reintroduziram sanções de ‘pressão máxima’ contra o Irã. O Irã disse que está disposto a novamente reduzir o próprio programa nuclear e devolvê-lo aos limites do acordo JCPOA, se os EUA retirarem todas as sanções. EUA não querem retirar as sanções. E estão apresentando novas demandas. É óbvio que não dará certo.

Se os EUA não voltarem a se integrar ao acordo JCPOA, sem quaisquer outras condições, o Irã eventualmente deixará o acordo e dará andamento ao próprio programa nuclear como bem entender. Será mais um enorme fracasso das táticas de ‘linha-dura’ de Biden. E fica-se a cogitar sobre o que o governo Biden teria planejado fazer quando esse fracasso acontecer.

O governo Biden pensa que poderia apertar ainda mais as sanções sobre os negócios de petróleo da China com o Irã:

Esperava-se que a vice-secretária de Estado Wendy Sherman discutisse a possibilidade de apertar as sanções dos EUA sobre entidades chinesas que importam petróleo iraniano, quando se encontrasse com o ministro de Relações Exteriores da China Wang Yi e outras autoridades em Tianjin, China na 2ª-feira (27/7), no caso de não se conseguir alcançar acordo sobre uma volta dos EUA ao acordo nuclear.

“Esperávamos poder levantar as sanções” sobre os setores de energia e banking, inclusive entidades chinesas que compram petróleo iraniano, no caso de EUA e Irã conseguirem alcançar algum acordo sobre volta de ambos ao acordo nuclear – disse a diplomata norte-americana. Mas “não havendo retorno ao JCPOA (…) e se nós estamos entrando em longo período de não retorno ao acordo”, consideraremos em primeiro lugar um aprofundamento de nossa política de sanções”, disse ela.

Mas 2021 não é 2012. Naquele momento, China e Rússia concordaram com os EUA pressionarem o Irã. Essa pressão levou ao acordo nuclear. Hoje a situação é muito diferente. Os EUA deram as costas ao acordo. Irã, China e Rússia estão todos em posição mais forte do que há uma década. Por que, afinal China e Rússia apoiariam a maligna política exterior de Biden e as sanções unilaterais impostas pelos EUA ao Irã?

O ex-embaixador indiano M.K.Bhadrakumar delineia quadro semelhante ao que estou vendo:

Os negociadores norte-americanos tentaram dura barganha em Viena. Subestimaram a firmeza do Irã na defesa de seus interesses principais. Assumiram que, dadas as dificuldades que o Irã enfrenta, o país se renderia ao atraso para conseguir o fim das sanções. E os EUA puseram-se a dar ordens e ditar termos e condições.

Khamenei, que tem a última palavra em assuntos de Estado do Irã, declarou 4ª-feira passada que Teerã não aceitará as demandas “obsessivas” de Washington nas conversações nucleares e outra vez rejeitou de plano a inserção de quaisquer outras questões no acordo.

Tendo jogado água fria no ‘calor’ da ‘pressão máxima’ de Trump [que Biden ‘encampou’], Teerã está hoje em melhor posição. A situação internacional trabalha também a favor do Irã. O Irã ganhou profundidade estratégica no aprofundamento da parceria com Rússia e China. Já não é possível agora ‘isolar’ o Irã, nem é possível, tampouco, aplicar contra o Irã a opção militar.

Essa é também a visão do diplomata britânico (aposentado) Alastair Crooke:

As recentes ‘novidades’ nos obstáculos plantados na pista de negociação contabilizadas pelo enviado do Irã à Agência Internacional de Energia Atômica, parecem, de fato, desalentador catálogos de esforços para mudar de lugar as traves do gol, tentados por EUA e União Europeia: da doutrina inicial do “não ao enriquecimento de urânio”; daí para um ‘horizonte de ruptura’ de menos de um ano; e agora de volta à mesma ‘exigência’ de antes, mais o caso de garantias de que o Irã entrará imediatamente nas conversações regionais e sobre mísseis com os EUA, com qualquer volta ao acordo JCPOA.

Ainda é cedo para fazer a necropsia completa dos erros que levaram a esse ponto. Mas, por enquanto, autoridades dos EUA insistem em que o Irã leria erradamente a situação; mas também se pode argumentar que os EUA, isso sim, leram erradamente o muito que a situação estratégica mudou na região – de fato, todo o mundo mudou; e o quanto o povo iraniano aproximou-se do ponto de vista dos principistas, ao longo dos últimos quatro anos.

A ameaça que os EUA constroem, de um consenso internacional contra o Irã – similar àquele de 2012 – será talvez mais plausível? Que consenso?

Será que Washington nem viu que não há consenso algum, sequer quanto à aspiração de Washington, de impedir que a Rússia traga seu gás para a Europa, via o gasoduto Nordstream 2? Os EUA nem perceberam a fratura, na política global? Pois é. A Europa não tem espinha dorsal e irá com os EUA, aconteça o que acontecer. Mas isso não é ‘consenso global’.

Fracassou a tentativa dos EUA de pressionar o Irã a aceitar acordo mais limitado que o acordo nuclear com o qual o Irã havia concordado e que os EUA descartaram.

Se o governo Biden não voltar atrás nas suas demandas, o acordo nuclear com o Irã estará morto. E crescerá a pressão doméstica para ‘fazer alguma coisa’ contra a tecnologia nuclear iraniana sempre em desenvolvimento.

Mas não existe consenso global a favor de sanções contra o Irã. Rússia e China resistirão a qualquer pressão a favor de apoio àquelas sanções, e o Irã não terá qualquer motivo pelo qual mudar seus modos e métodos. Tampouco há alguma opção militar. O Irã está seriamente armado e é capaz de atingir qualquer ponto no Oriente Médio.

O governo Biden meteu num beco sem saída a política dos EUA para o Irã. A parede diante dela é sólida. E agora? Como Biden fará seu meia-volta-volver, para tentar cair fora?

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

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