Desmistificando os mitos de Israel para Gaza I: Afinal, quem usa escudos-humanos em Gaza? 2

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Fábio Bacila Sahd*

 

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Tanto em 2009 quanto em 2014, Israel responsabilizou o Hamas pelas mortes dos civis em Gaza. A principal justificativa apresentada foi alegar os ataques como legítima defesa e alegar que o movimento de libertação palestino estaria utilizando sua população civil como escudos-humanos. No entanto, primeiramente, o ataque não pode ser compreendido como autodefesa, pois é sempre o ocupante/colonizador o promotor da violência e não o colonizado, que tem o direito internacionalmente reconhecido de, se necessário, recorrer às armas para se libertar (resolução 3246 de 1974, da Assembleia Geral da ONU). Conforme a legislação internacional, a ocupação ou colonização é a fonte da violência e das violações dos direitos humanos, portanto deve ser renunciada. Quanto à questão do Hamas, utilizar civis como escudo-humano, Israel nunca conseguiu provar essa afirmação renitente. Cabe lembrar que o Estado dispõe de câmeras aéreas de alta precisão em seus aviões não tripulados, o que poderia facilmente registrar eventuais episódios.

Pelo contrário, há suficientes provas de que é comum as forças israelenses utilizarem a população civil palestina como escudo-humano para evitar baixas em suas fileiras. Diante dos ataques israelenses contra Gaza, em 2008/2009, a ONU criou uma comissão especial para averiguar as possíveis violações de direitos humanos, cujo relatório final ficou conhecido como Goldstone Report, que, diga-se de passagem, nunca perdeu sua validade apesar da falsa polêmica levantada para tentar desmerecer suas seriíssimas conclusões. O artigo 55 desse documento afirma que:

A missão da ONU investigou quatro casos em que as forças armadas israelenses coagiram civis palestinos sob a mira de suas armas a tomarem parte em buscas domiciliares durante as operações militares. Os homens estavam algemados e vendados quando foram forçados a entrar nas casas na frente dos soldados israelenses. Em um desses incidentes, soldados israelenses repetidamente forçaram um homem a entrar em uma casa na qual combatentes palestinos estavam escondidos. Testemunhos publicados de soldados que tomaram parte nessas operações militares confirmam a continuação dessa prática […] A Missão conclui que essa prática conforma o uso de civis palestinos como escudos-humanos e é, portanto, proibida pela lei humanitária internacional. Ela coloca o direito à vida de civis em risco, de uma maneira ilegal e arbitrária e constitui tratamento cruel e desumano […] Os palestinos utilizados como escudos-humanos foram intimados sob ameaça de morte ou ferimentos a darem informações sobre o Hamas, combatentes palestinos e túneis. Isto constitui outra violação do direito humanitário internacional.  

O mesmo relatório, em seu artigo 493, afirma que combater em zonas densamente povoadas, por si só, não resulta em uso de escudos-humanos. Na sequência, conclui que “das informações disponíveis, a Missão não encontrou evidências que sugiram que os grupos armados palestinos ou direcionaram civis para áreas nas quais ataques estavam sendo desferidos ou forçaram civis para permanecerem nas imediações desses ataques”. Logo, enquanto não há evidências de que o Hamas recorra a essa prática ilegal, seu uso pelas forças israelenses está bem documentado, como demonstram o Goldstone Report e os vários testemunhos coletados pela ONG israelense B’Tselem de ex-militares israelenses que serviram nos Territórios Palestinos Ocupados.

Em meados de 2013, um relatório do Comitê da ONU dos Direitos das Crianças acusou as forças israelenses de maltratarem crianças palestinas, incluindo torturar aquelas em custódia e utilizar outras como escudos-humanos. Quanto à operação de 2014, em um testemunho publicado pelo Observatório Euro-mid para Direitos Humanos – ONG sediada na Suíça -, Ramadam Muhammad Qdeih conta como as forças israelenses invadiram sua casa em Khuzaa e, primeiro, mataram seu pai de 65 anos na entrada e, depois, forçaram seus familiares a servirem como escudos-humanos, expondo-os nas janelas enquanto atiravam por detrás deles. Este caso não teria sido o único. Por cinco dias forças israelenses teriam utilizado um jovem palestino como seu escudo-humano pessoal. Ahmad Jamal Abu Reeda, de dezessete anos, teria sido detido, ameaçado, interrogado e agredido antes de também ser utilizado como escudo humano.

Cabe lembrar que transferir a responsabilidade das mortes para as próprias vítimas é o último passo das práticas sociais genocidas, ou sua ressignificação simbólica. Assim, os latino-americanos seviciados ou mortos durante as ditaduras foram responsabilizados pela violência, bem como os judeus, ciganos, homossexuais e outras minorias durante o III Reich. Logo, não é de se estranhar que isso esteja ocorrendo também com os palestinos de Gaza, na prática social genocida ali promovida por Israel.

Fábio Bacila Sahd é bacharel em história pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e doutorando na Universidade de São Paulo (USP), com diversos artigos publicados acerca do Oriente Médio e do conflito na Palestina e autor dos livros, bem como da ditadura no Brasil, e autor dos livros “Oriente Médio desmistificado: fundamentalismo, terrorismo e barbárie” e “Vida e morte na Faixa de Gaza: sionismo, modernidade e barbárie”.

 

Referências bibliográficas:

Site da ONG B’Tselem sobre escudos-humanos: http://www.btselem.org/testimonies?date_filter%5Bvalue%5D%5Byear%5D=&tid=33

Goldstone Report: http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/12session/A-HRC-12-48.pdf .

Notícia referente ao Comitê da ONU dos Direitos das Crianças: http://www.haaretz.com/news/diplomacy-defense/.premium-1.530993 .

Notícia referente ao uso de escudos-humanos entre 2013 e 2014:

http://electronicintifada.net/blogs/rania-khalek/israeli-army-uses-gaza-children-human-shields .

SAHD, Fábio Bacila. NOVA VARSÓVIA, LABORATÓRIO DE OCUPAÇÃO OU

NINHO DE TERRORISTAS?: A Faixa de Gaza e a vida nua. Florianópolis: Revista Tempo e Argumento, 2012, v. 4, n. 1. p. 141-170. Disponível em: http://revistas.udesc.br/index.php/tempo/article/viewFile/2175180304012012141/2042.

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2 thoughts on “Desmistificando os mitos de Israel para Gaza I: Afinal, quem usa escudos-humanos em Gaza?

  1. Responder Faruk ago 17,2014 18:56

    Parabéns Fabio !

  2. Responder Wellington Gomes ago 19,2014 19:08

    Perfeito! Já existe no site de vídeos Youtube vídeos onde soldados israelenses usam palestinos como escudos humanos. Nome do vídeo (Israeli army using Palestinian children as Human Shields)

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