As eleições parlamentares libanesas: o dia seguinte

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Dr. Nassif Hitti* – traduzido por Dr. Assad Frangieh

Como era de se esperar, as eleições parlamentares que aconteceram neste ultimo domingo, apesar da importância desse evento que foi um momento muito difícil e decisivo na história do Líbano, não trouxeram a mudança desejada em termos de escala de necessidade, apesar de ter sido enviado uma mensagem, independentemente de sua importância e impacto, sobre a necessidade de se introduzir numa reforma abrangente para salvar o navio libanês do naufrágio, como repetidamente advertimos e advertimos outros. Apelar pelo confessionalismo durante o processo eleitoral, e o conflito político persistente em todos os seus aspectos, elementos, ferramentas e interesses externos e internos, não reduzirão a velocidade do colapso do estado Libanês. O colapso, que está ocorrendo rapidamente todos os dias, e o custo da operação de resgate que aumenta também, a cada dia de atraso. Afiliações de “identidades” doutrinárias, sectárias e outras, e afiliações políticas tradicionais, bem como o clientelismo, são elementos que ainda têm grande peso nos contextos eleitorais, independentemente do tamanho de seus alcances.

O Líbano é de fato governado por duas dialéticas: a primeira é a dialética externa e a outra é a dialética interna. A história de crises, guerras e assentamentos no Líbano indica quão equilibrado é o elemento externo na vida política, mesmo sob diferentes nomes e títulos que não obscurecem esse fato, e a estrutura política libanesa é atraente para essa intervenção. O entendimento externo entre as partes influentes em um determinado estágio contribui para fazer a paz interna, conter a disputa e congelá-la ou reduzi-la. No entanto, a fragilidade da sociedade libanesa, com suas filiações conflitantes e contraditórias, continua sendo um elemento pronto para alimentar o conflito. Isso, claro, aumenta a importância da geopolítica do Líbano, que também atrai interferências no jogo de poder e ingerências da região.

A segunda dialética é a dialética política e econômica, e com ela, é claro, a financeira. A política de advertências corretivas não é mais suficiente. Em vez disso, era necessário um processo de reforma estrutural. Isso é o que todas as partes externas estão pedindo. Organizações e países internacionais gostariam de ajudar o Líbano. Como lembrete, a missão do Fundo Monetário Internacional indicou em seu comunicado, após a conclusão de suas consultas com o lado libanês em Beirute, e a conclusão do que é conhecido como “acordo de cavalheiros”, a necessidade de realizar muitas reformas que tratam, entre outras coisas, com o setor público e com o objetivo de reconstruir e fortalecer a economia. Governança e transparência, além de aumentar os gastos sociais e de investimentos, outras propostas de reforma devem ser implementadas para obter facilidades financeiras de até três bilhões de dólares nos próximos 3 ou 4 anos. O sucesso em passar neste “exame” equivale a um “visto”, conforme declarado por mais de um partido internacional, para ajudar o Líbano. O relatório emitido pelo relator especial sobre a questão da pobreza extrema e direitos humanos ao Conselho de Direitos Humanos afirmou, esquecendo ou não, que 80% da população vive em um ciclo de pobreza e que a moeda nacional perdeu mais de 95% de seu valor. Números que muitos conhecem do sofrimento dos libaneses. Como lembrete, pesquisas de opinião recentes indicam que 6 em cada 10 pessoas desejam deixar o Líbano. Estes são alguns dos números que tiveram que ser lembrados para indicar a extensão da crise que o Líbano está passando, e que está rapidamente levando ao colapso social. A desaceleração e as tentativas de evitar o “encharcamento venenoso” de reformas estruturais abrangentes por parte da classe política dominante no Líbano, porque ameaçam seus ganhos e fontes de força, exacerbam a crise e precipitam o colapso com todas as suas repercussões. É supérfluo dizer que as reformas económicas e financeiras necessárias não podem ser realizadas se não forem acompanhadas de reformas políticas que preparem o ambiente, acompanhem, facilitem e fortaleçam a reforma económica e financeira.

Isso está acontecendo quando o Líbano entra, no dia seguinte às eleições parlamentares, em um calendário estressante de direitos básicos: o primeiro é a formação de um novo governo (alguns falam em um governo tecnocrático e outros em um governo tecnopolítico), dado que o atual governo renunciará definitivamente no dia 21 deste mês, com o início do mandato do novo parlamento. O Líbano também está entrando na fase de “conflitos” para as eleições presidenciais e de retorno à dialética externa e interna nessa questão, como todas as experiências anteriores a esse respeito nos ensinaram.

Será formado um novo governo ou ficaremos com um governo provisório? Podemos ir ampliando o conceito de interino por mais tempo devido à necessidade disso nas decisões e com isso a negociação com as partes externas interessadas antes da formação do novo governo intimamente ligado às eleições presidenciais? Um governo também pode assumir os poderes de “administrar o país” se ocorrer um vácuo presidencial e um novo presidente não for eleito dentro dos prazos constitucionais, na ausência dos entendimentos necessários para isso dentro da dialética interna e externa. E por último, mas não menos importante, alguns falam, caso ocorra esse vácuo, de um cenário semelhante ao cenário do Acordo de Doha em 2008 para eleger um novo presidente após um acordo entre os atores externos. A questão a esse respeito é quanto tempo levará o período de espera à luz das crescentes condições que levam à explosão e ao colapso? No meio de tudo isso, alguns estão brandindo um chamado para uma “conferência de fundação”, o que é improvável porque todas as forças externas e internas rejeitam isso.

O que é necessário hoje, em meio aos perigos que o Líbano está enfrentando, é manter uma roda de diálogo nacional, não em torno de títulos de reforma frouxos, mas para cristalizar um programa de reforma abrangente e prático baseado em um cronograma claro com respeito por todas as obrigações constitucionais. É mais do que necessário que as organizações e partidos internacionais que trabalham para salvar o Líbano acompanhem e patrocinem este caminho, antes que seja tarde demais. Todos perdem se o navio libanês afundar. A compreensão externa necessária não será útil se estiver muito atrasada. Portanto, a responsabilidade primária de todos os libaneses permanece em relação a uma iniciativa de resgate nacional. Tomamos a decisão ou ficamos na sala de espera, aguardado que ocorra a corrida entre o entendimento dos poderosos ou a explosão social?

Dr. Nassif Youssef Hitti é acadêmico, diplomata aposentado e ex-ministro das Relações Exteriores do Líbano. Anteriormente, foi o porta-voz oficial da Liga dos Estados Árabes e, mais tarde, o chefe de sua missão na França, no Vaticano e na Itália, e seu representante permanente na UNESCO.

Este artigo foi publicado inicialmente na revista eletrônica Asswak Al Arab de Londres paralelamente à sua publicação no jornal “An-Nahar” de Beirute.

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