A caminho do fim da propaganda estadunidense 2

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Ele lê os discursos escritos por outros enquanto outros governam.

Obama fala bem, mas ele não escreve os discursos. Ele lê os discursos escritos por outros enquanto outros governam.


por Thierry Meyssan
Rede Voltaire
Tradução Natalia Forcat

A propaganda do Império anglo-saxão nos fez acreditar que EUA é o “país da liberdade” e suas guerras não têm outro propósito senão o de defender seus ideais. Mas a crise ucraniana acabou de mudar as regras do jogo: Washington e seus aliados perderam o monopólio da palavra. O governo e a imprensa de outro grande Estado, Rússia, estão refutando abertamente as mentiras que durante um século tem servido de justificativa ao Império anglo-saxão. Nestes tempos de satélites e Internet, a propaganda anglo-saxônica não funciona mais.

Os governantes sempre tentar convencer de que eles estão fazendo a coisa certa, porque as multidões não seguem alguém sabendo que não está com a razão. O século XX foi marcado pelo surgimento de novos métodos de propagação de ideias que nada têm a ver com a verdade. Os ocidentais afirmam que a propaganda moderna começou com o ministro nazista Joseph Goebbels. Assim querem nos fazer esquecer que a arte de distorcer a percepção das coisas foi desenvolvida muito antes pelos anglo-saxões.

Em 1916, o Reino Unido criou em Londres a Wellington House em e mais tarde a Crewe House. Ao mesmo tempo, os EUA criaram o Comittee on Public Information (CPI). Partindo do princípio de que a Primeira Guerra Mundial foi um confronto de massas e não exércitos, aquelas agências tentaram intoxicar seus próprios povos, assim como os de seus aliados e seus inimigos.

A propaganda moderna começa com a publicação, em Londres, do relatório Bryce sobre crimes de guerra na Alemanha, documento que foi traduzido para 30 idiomas. De acordo com o relatório de Bryce, o exército alemão havia estuprado milhares de mulheres na Bélgica, assim que britânicos estavam lutando contra a barbárie. Após a Primeira Guerra Mundial, foi descoberto que todo o relatório era uma mentira inteiramente fabricada com falsos testemunhos e com a ajuda de vários jornalistas.

Enquanto isso, nos Estados Unidos, George Creel inventou uma história que apresentava a Primeira Guerra Mundial como uma cruzada das democracias pela paz que materializaria os direitos da humanidade.

Os historiadores têm mostrado que a Primeira Guerra Mundial teve causas tão imediatas como profundas, sendo a mais importante entre elas, a rivalidade entre as grandes potências que competiam entre si para estender os seus impérios coloniais.

As agências de propaganda dos EUA e Reino Unido eram organizações secretas que trabalham para o Estado. Elas se diferenciavam da propaganda leninista, que ambicionava “revelar a verdade” para as massas ignorantes, em que os anglo-saxões estavam tentando enganar e manipular. Para conseguir isso, as organizações estaduais anglo-saxônicas tinham que agir de forma solapada e usurpando falsas identidades.

Após o fim da União Soviética, os EUA deram menos importância à propaganda e optaram pelas Relações Públicas. O objetivo já não era mentir, mas levar os jornalistas pelas mãos para que vissem unicamente o que fosse mostrado. Durante a guerra do Kosovo, a OTAN recorreu ao Alastair Campbell, um assessor do primeiro-ministro para contar para a imprensa uma história diferente cada dia. Enquanto os jornalistas se entretinham relatando as histórias de Campbell, a aliança atlântica podia bombardear “em paz”. O objetivo não era tanto mentir, mas sim desviar a atenção.

Mas o que tem sido chamado de story telling [em português, “contar estórias”] conquistou grande força com o 11 de setembro de 2001. O objetivo era concentrar a atenção do público sobre os atentados em Nova Iorque e Washington para que não vissem o golpe de estado militar que ocorreu naquele dia: transferência dos poderes executivos do presidente George W. Bush a uma entidade militar secreta e detenção camuflada de todos os membros do Congresso dos EUA. Essa operação de intoxicação foi a obra de Benjamin Rhodes, atual conselheiro do presidente Barack Obama.

Durante os anos seguintes a Casa Branca criou um sistema de intoxicação com os seus principais aliados (Grã-Bretanha, Canadá, Austrália e, claro, Israel). Esses quatro governos recebiam instruções diárias, até mesmo discursos prontos, enviados pelo Global Media Bureau para justificar a guerra contra o Iraque e caluniar o Irã [1].

Desde 1989, Washington se apoiava na CNN para disseminar rapidamente as suas mentiras. Com o tempo, os EUA foi criando um cartel de redes informativas de televisão via satélite (Al-Arabiya, Al-Jazeera, BBC, CNN, France24, Sky). Em 2011, durante os bombardeios da OTAN em Tripoli, a OTAN conseguiu convencer bruscamente os líbios de que tinham perdido a guerra e que qualquer resistência era inútil.

No entanto, em 2012, a OTAN não conseguiu reeditar a manobra para convencer os sírios que a derrubada de seu governo era inevitável. A repetição daquela manobra falhou porque os sírios tinham conhecimento do que aconteceu na Líbia, onde os canais de televisão internacionais tinham manipulado a situação. Sabendo disso, o Estado sírio teve tempo para se preparar para combater a manipulação que havia sido preparada [2]. Esta falha marcou o fim da hegemonia do cartel da”informação“.

A atual crise entre Washington e Moscou sobre a situação na Ucrânia obrigou à administração Obama a rever o seu sistema. Washington já não é o único que consegue ser ouvido, senão que tem que refutar os argumentos do governo e dos meios de comunicação russos, acessíveis em qualquer lugar do mundo através de transmissões via satélite e internet. O secretário de Estado John Kerry teve de nomear um novo secretário-assistente encarregado da propaganda: o ex-editor chefe da revista Time Magazine, Richard Stengel [3]. Na verdade, Stengel já estava no cargo desde antes do 15 de abril de 2014, data na qual prestou juramento para o cargo. Mas em 15 de março, ele já havia enviado para os principais meios da impressa atlantista uma “Folha Informativa” sobre as “10 falsidade” de Vladimir Putin sobre Ucrânia [4]. O mesmo foi feito em 13 de abril, entregando um segundo documento com “outras 10 falsidades” [5].

A primeira coisa que chama a atenção ao ler o texto é a necedade que o caracteriza. O texto tem como objetivo validar a versão oficial sobre uma revolução em Kiev e desacreditar o discurso russo sobre a presença de nazistas no novo governo ucraniano, quando sabemos que em Kiev não houve uma revolução, mas um golpe de Estado fomentado pela OTAN e executado pela Polônia e Israel com uma mistura de receitas para “revoluções coloridas” e “primaveras árabes” [6].

Os jornalistas que receberam a “folhas informativas” do governo dos EUA e ecoaram o seu conteúdo também conhecem perfeitamente o conteúdo da conversa telefônica da Secretária de Estado, Victoria Nuland, sobre como Washington iria mudar o regime na Ucrânia – em detrimento da União Européia, e a do ministro estonianos dos Negócios Exteriores, Urmas Paets, sobre a verdadeira identidade dos atiradores na Praça Maidan. Eles também já tinham tido conhecimento das revelações semanário polonês Nie sobre o treinamento dos líderes nazistas na Academia de Polícia da Polônia, dois meses antes dos acontecimentos da Praça Maidan. Em relação a negar a presença de nazistas no novo governo ucraniano é como dizer que o sol nasce durante a noite. Não há necessidade de ir a Kiev para verificá-lo, basta ler os escritos dos atuais ministros e ouvir suas declarações [7].

No final das contas, apesar de todos os argumentos que Washington se toma o trabalho de enviar por escrito às redações e que permitem criar a ilusão de que existe um consenso na grande imprensa atlantista, o fato é que eles não têm nenhuma chance de convencer os cidadãos minimamente curiosos. Pelo contrário, é tão fácil descobrir o engano navegando um pouco na internet que esse tipo de manipulação não vai conseguir nada além de reduzir ainda mais a credibilidade de Washington.

O 11 de Setembro de 2001, a unanimidade da imprensa atlantista permitiu convencer a opinião pública internacional. Mas o trabalho que muitos jornalistas e cidadãos -entre os quais tenho a honra de me incluir- têm vindo realizando desde então tem mostrado a impossibilidade material do que é afirmado na versão oficial. Treze anos após o fato, centenas de milhões de pessoas ficaram cientes das mentiras. E serão cada vez mais numerosos… graças ao novo dispositivo estadunidense de propaganda. O resultado final é que aqueles que ecoam a propaganda da Casa Branca, principalmente os governos e os meios de comunicação da OTAN estão destruindo sua própria credibilidade.

Barack Obama e Benjamin Rhodes, John Kerry e Richard Stengel trabalham apenas para o curto prazo. Sua propaganda só convence as pessoas por cerca de algumas semanas. Mas ios deixam indignados quando descobrem a manipulação. Esses personagens estão involuntariamente minando a credibilidade das instituições dos Estados da OTAN que ecoam sua propaganda conscientemente. Eles se esqueceram de que a propaganda do século XX funcionava apenas porque o mundo estava dividido em dois blocos que não se comunicam entre si e que o controle monolítico ao que aspiram é incompatível com as novas mídias.

Embora ainda não concluída, a crise na Ucrânia já mudou profundamente o mundo. Por contradizer publicamente o presidente dos EUA, Vladimir Putin deu um passo à frente para impedir o sucesso da propaganda norte-americana.

Outros meios de comunicação internacionais que estão quebrando a propaganda informativa anglo-saxônica:

Rússia Today em espanhol.

Hispantv, Nexo Latino.

Telesur.

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[1] «Un réseau militaire d’intoxication», Réseau Voltaire, 8 de diciembre de 2003.

[2] «La OTAN prepara la mayor operación de intoxicación de la Historia», por Thierry Meyssan, Komsomolskaya Pravda, Red Voltaire, 12 de junio de 2012.

[3] «El redactor jefe de Time Magazine, nombrado nuevo jefe de la propaganda estadounidense», Red Voltaire, 16 de abril de 2014.

[4] «Hoja Informativa del Departamento de Estado: 10 falsedades que Rusia alega sobre Ucrania», Red Voltaire, 5 de marzo de 2014.

[5] «Hoja del Departamento de Estado sobre alegaciones de Rusia contra Ucrania», Red Voltaire, 13 de abril de 2014.

[6] «Ucrania: Polonia entrenó a los gopistas 2 meses antes de Maidan», por Thierry Meyssan, Red Voltaire, 18 de abril de 2014.

[7] «¿Quiénes son los nazis en el gobierno ucraniano?», por Thierry Meyssan, Red Voltaire, 3 de marzo de 2014.

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2 thoughts on “A caminho do fim da propaganda estadunidense

  1. Responder Babel Hajjar abr 27,2014 3:44

    muito boa a matéria. Sobre a origem da propaganda moderna vale acrescentar que o controle dos discursos e o convencimento das massas com base em um discursos específico não é algo que pertença ao século xx, e sim estratégia muito mais antiga. O orientalismo, a invenção ocidental sobre o que é ser oriental, segundo Edward Said, tem início na campanha de Napoleão ao Egito, no final do século xviii. E o que é a propaganda senão uma forma de controlar e estimular a apropriação que outros fazem sobre uma narrativa?

  2. Responder Eduardo Cantarelli abr 27,2014 12:10

    A mentira corre muito, mas tem as pernas curtas!!!

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