O sionismo é uma forma de racismo¹ (parte III – final)

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Claudio Daniel

Senhora palestina guarda a chave de casa, um símbolo de resistência dos refugiados palestinos, sob o lema "nós voltaremos", ainda que saibam que as suas casas não existem mais.

(Veja também: parte I, parte II)

A invenção do Estado de Israel

O sionismo, tal como apresentado por Theodor Herzl no livro O estado judeu, é uma doutrina política similar a outras tendências de pensamento nacionalista em vigor na Europa na segunda metade do século XIX. A partir do Congresso Sionista realizado em 29 de agosto de 1897 na cidade de Basiléia, Suíça, o sionismo revelou-se como um movimento político internacional, responsável por atividades de organização, negociação e colonização2, tendo como objetivo final o estabelecimento do estado nacional judeu. Nos anos seguintes ao congresso, Herzl realiza inúmeras viagens, buscando o apoio diplomático da Alemanha, Rússia, Inglaterra e do Império Otomano ao seu projeto. Conforme escreve André Gattaz, no livro A guerra daPalestina, Herzl encontrou-se na Rússia com dirigentes antissemitas, como os ministros czaristas Plehve e Witte, que “o informaram da disposição do czar de apoiar moral e materialmente o movimento sionista nas medidas que provocassem a diminuição da população judaica na Rússia” (GATTAZ, 2002: 24). Embora tais conversações “não tenham levado a acordos concretos”, prossegue o autor, “Herzl estabeleceu um precedente que foi seguido por diversos líderes sionistas das futuras gerações, que não hesitaram em ter relações com defensores do antissemitismo” (idem, 26). O pacto paradoxal entre sionistas e antisssemitas foi apontado por intelectuais judeus como o professor norte-americano Norman Finkelstein, para quem “o sionismo político não desejou combater o antissemitismo, mas encontrar um modus vivendi com este” (idem, 28), fenômeno que adquiriu feições mais sombrias na II Guerra Mundial, quando as organizações sionistas colaboraram em diversas situações com os nazistas, o que foi amplamente documentado e revelado por Hannah Arendt no livro Eichmann em Jerusalém3. Ao movimento sionista, era mais conveniente a segregação do que a assimilação dos judeus nos países onde viviam, porque a privação de direitos e ausência de cidadania plena poderiam ser elementos motivadores para a imigração, ao passo que a assimilação configurava um empecilho a esse projeto.

André Gattaz ressalta que o sionismo, ideologia nacionalista laica, encontrou resistência na maior parte dos rabinos europeus, para quem essa doutrina “contrariava a idéia de uma nação judaica baseada nos laços espirituais, independente do local de residência, e trazia o judaísmo para o nível de uma ideologia secular, afastando-o dos verdadeiros princípios religiosos” (GATTAZ, 2002: 28-29). Além disso, muitos consideravam o sionismo político como herético e defendiam um “sionismo espiritual, que via a Palestina como o centro cultural do judaísmo” (idem). Apesar das resistências dos rabinos tradicionalistas e dos judeus assimilados, o movimento sionista obtém a simpatia dos governos europeus, a partir do final da I Guerra Mundial, conflito no qual o Império Otomano foi derrotado pelas forças aliadas – Inglaterra, França e Estados Unidos. Chaim Weissmann, que sucede Theodor Herzl na liderança do movimento sionista internacional, estabelece relações com líderes políticos ingleses, como Lloyd George, Herbert Samuel, Mark Sykes e Arthur Balfour, obtendo o seu apoio para a causa sionista, após “mostrar as vantagens estratégicas para a Inglaterra de um Estado judeu na Palestina” (idem, 41). Em carta endereçada a um de seus simpatizantes políticos, datada de 1914, Weissmann já afirmava que “se a Palestina ficar sob a esfera de influência britânica, e se a Inglaterra encorajar um assentamento judaico ali, como uma dependência britânica, nós poderíamos ter em 20 ou 30 anos mais de um milhão de judeus (…), que formariam uma guarda bem efetiva para o Canal de Suez” (idem). Com efeito, como resultado do Acordo Sykes-Picot4, firmado em 1916 entre Inglaterra, França, Rússia e Itália, que dividiu o Império Otomano entre as forças aliadas, coube aos ingleses o domínio sobre a Jordânia e Iraque, enquanto a França recebeu o controle administrativo do sudoeste da Turquia, Síria, Líbano e norte do Iraque. A Palestina, a princípio, ficaria sob jurisdição internacional, mas na prática foi incorporada pelo Mandato Britânico. No início de 1917, Weissmann realizou esforços junto ao governo inglês para conseguir um compromisso formal do Império Britânico em favor da criação de um estado nacional judeu na Palestina, e o resultado foi a conhecida Declaração de Balfour, um bilhete escrito pelo secretário do exterior britânico, Lord Arthur James Balfour, ao banqueiro sionista Lord Rotschild, no qual afirmava: “O governo de Sua Majestade vê com aprovação o estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu, e fará todos os esforços para facilitar a obtenção de tal objetivo, ficando claramente expresso que nada será feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas na Palestina ou os direitos e status político dos judeus em qualquer pais” (idem, 43). A declaração, sem valor legal – na época em que foi redigido, a Palestina encontrava-se sob administração do Império Otomano – contrariava as garantias que o governo inglês apresentou anteriormente ao emir de Meca, em 1915, relativas à independência da região, e recebeu críticas de diversas personalidades judaicas, inclusive de Sehundo Edwin Montagu, secretário de estado para a Índia e único membro judeu do gabinete britânico. Montagu questionou a autoridade da Organização Mundial Sionista para falar em nome de todos os judeus e profetizou, em 1917: “A Palestina irá se tornar o maior gueto do mundo” (idem, 45).

Com o final da I Guerra Mundial e o estabelecimento do Mandato Britânico na Palestina, os ingleses favoreceram uma grande imigração judaica para a região entre as décadas de 1920 e 1930, alterando o balanço demográfico da Palestina e criando condições para a formação da entidade sionista, contrariando os interesses da comunidade árabe-palestina autóctone. Conforme escreve André Gattaz: “O Mandato sancionou, entre as potências aliadas vitoriosas, a Declaração de Balfour, e transformou o sionismo em política de Estado britânica, determinando o destino da Palestina” (idem, 54). Nos anos seguintes, o Iraque declarou a sua indcependência em 1932; o Líbano, em 1943; a Síria, em 1944, e a Jordânia, em 1946. “Apenas no caso da Palestina o Mandato, com suas contradições inerentes, não levou à independência reconhecida provisoriamente na Carta das Nações, porém aos conflitos que permanecem até os dias de hoje” (idem, 57).
A administração britânica favoreceu não apenas a imigração massiva de judeus, mas também a criação de um verdadeiro estado dentro do estado: os sionistas criaram os seus próprios bancos, escolas, empresas agrícolas, industriais, comerciais e universidade, tornando cada vez mais frequente a presença da bandeira com a estrela de David nos estabelecimentos judaicos5. O primeiro assentamento sionista surgiu em 1909; cinco anos depois, já eram catorze, e os camponeses palestinos eram sumariamente expulsos, porque nas empresas agrícolas formadas pelos sionistas apenas trabalhadores judeus eram aceitos. Em 1914 é fundada a cidade judaica de Tel Aviv, que três décadas mais tarde seria a capital da entidade sionista. Nesse mesmo ano, conforme cita André Gattaz, 85 mil judeus viviam na Palestina, ao lado de 580 mil árabes (85% muçulmanos, 15% cristãos). “Após os anos da Primeira Guerra Mundial, a imigração retomou volumes expressivos, e só nos cinco primeiros anos da década de 1920 chegaram à Palestina mais de 89.000 judeus, que criaram as condições para os futuros conflitos ao transformar a sociedade local em detrimento de seus antigos habitantes” (idem, 60-61).

A comunidade árabe-palestina, frustrada pelo não-cumprimento das promessas feitas pelos ingleses de autogoverno e soberania nacional, reagiu realizando greves, manifestações políticas e ataques a instalações da administração britânica, violentamente reprimidas pelas forças de ocupação e também pelas milícias paramilitares criadas pelos sionistas, a Irgun e a Haganá, que dispunham de armas modernas e eram toleradas pelo governo britânico. “Os conflitos tornaram-se mais intensos a partir de 1933”, escreve André Gattaz, “quando grandes quantidades de judeus refugiados da Alemanha e Polônia chegaram à Palestina” (idem, 59). Apenas em 1935, vieram imigrantes 60.000 judeus, e ao final da década de 1930 a comunidade judaica somava 445.000 pessoas, numa população total de 1.500.000 indivíduos. Os conflitos entre árabes e judeus tornaram-se mais intensos entre 1935 e 1939, destacando-se o movimento liderado em 1935 pelo mufti Haj Amin, que conclamou os palestinos a não pagarem taxas às autoridades britânicas e a boicotar as lojas dos imigrantes sionistas. No ano seguinte, os palestinos realizaram uma greve geral que durou sete meses, com violentos confrontos entre trabalhadores e a polícia britânica. O movimento grevista evolui e assumiu um caráter insurrecional que durou até meados de 1939. O episódio é assim relatado por André Gattaz:

Durante os primeiros meses da rebelião, enquanto ainda durava a greve geral, os árabes atacaram tropas e postos policiais britânicos e assentamentos judeus, sabotando rodovias, ferrovias e oleodutos construídos pelos sionistas e ingleses. A administração britânica trouxe reforços da Inglaterra, Egito e Malta para controlar a situação, impondo toques de recolher, prisões em massa, multas coletivas, e destruição de casas, além de apelar aos demais líderes árabes para que interviessem em favor do final da greve. Ao mesmo tempo, anunciava-se a criação de uma comissão real para investigar a causa dos distúrbios – a Peel Comission (idem, 67).

A comissão real nomeada pelo governo britânico avaliou a situação e sugeriu a partilha da Palestina entre árabes e judeus, proposta que desagradou tanto aos nacionalistas palestinos quanto aos colonos sionistas, mas que seria retomada em 1947, quando a Organização das Nações Unidas aprovou a criação de dois estados na Palestina, um árabe, outro judeu. Conforme demonstra Edward Said no livro A questão da Palestina, o Estado de Israel, desde o seu surgimento, entrou em contradição com a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966) e as declarações da Comissão de Direitos Humanos da ONU, que estabelecem direitos básicos e universais do ser humano, tais como:

a. Todos têm o direito, sem distinção de qualquer espécie, tais como raça, cor, sexo, língua, religião, convicção política ou outra, origem nacional ou social, propriedade, nascimento, casamento, ou outro estado civil, de retornar a seu país.

b. Ninguém deve ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade ou forçado a renunciar a ela como meio de privá-lo do direito de retornar a seu país.

c. Ninguém deve ser arbitrariamente privado do direito de entrar em seu próprio país.

d. Ninguém pode ter negado o direito de retornar a seu próprio país sob pretexto de não ter passaporte ou qualquer outro documento de viagem.

(in SAID, 2011: 55)

O que o Estado de Israel realizou, entre 1948 e 1949, durante o primeiro conflito armado entre árabes e israelenses, foi exatamente o contrário do estipulado pela ONU: privou os palestinos de seu país, tomando a parte que caberia a um futuro estado árabe, tal como proposto inicialmente na partilha da Palestina, destruiu mais de 400 aldeias palestinas, entre elas a de Deir Yassim, em que 250 homens, mulheres e crianças palestinas foram massacrados (num gesto de macabra ironia, os sionistas criaram no local um museu dedicado às vítimas do Holocausto), e levou cerca de 750 mil palestinos a um êxodo forçado, que se tornou conhecido internacionalmente como Nakba (em árabe النكبة,“catástrofe”). Os refugiados palestinos foram proibidos pelas autoridades israelenses de retornarem6 a suas terras e casas, confiscadas pelo estado sionista – proibição estendida a seus filhos e netos, que hoje somam mais de cinco milhões de palestinos, distribuídos em comunidades que residem no Líbano, na Síria, na Jordânia, no Iraque e em outros países do Oriente Médio. Milhares de palestinos buscaram refúgio na Faixa de Gaza, que pertenceu ao Egito até 1967, quando foi tomada por Israel, na Guerra dos Seis Dias, outros permaneceram na Cisjordânia, em Jerusalém Oriental e outras cidades que passaram à administração sionista. Como o novo Estado de Israel afirmou-se, desde o início, como um estado judaico, aplicando critério étnico e religioso para a definição da nacionalidade, os chamados árabes israelenses (cristãos e muçulmanos) converteram-se em cidadãos de segunda classe, sem o benefício de direitos plenos de cidadania, reservados apenas aos cidadãos judeus. O hebraico foi adotado como língua oficial do país, que adotou uma legislação que garante amplos benefícios aos judeus estrangeiros que imigrem para a região, ao mesmo tempo que limita o máximo possível os direitos da comunidade árabe. A segregação racial aplicada pelos sionistas na Palestina só encontra paralelo nas famigeradas Leis de Nuremberg, aprovadas na década de 1930 na Alemanha, e no sistema do apartheid imposto pela minoria branca na África do Sul sobre a maioria negra, que subsistiu até meados da década de 1990 (não por acaso, Israel foi um dos maiores aliados do regime sul-africano, colaborando inclusive em seu programa de desenvolvimento de armas nucleares). Israel tem um vasto currículo de desrespeito aos direitos humanos, que inclui a demolição de casas de palestinos suspeitos de terem relações com membros do Hamas (forma de punição coletiva implementada desde os anos 1920 pelas autoridades britânicas), destruição de oliveiras e abate de rebanhos pertencentes a palestinos, prisão e tortura de mulheres e crianças, sem mandado judicial, acusação prévia ou direito de defesa, para citarmos poucos exemplos. Segundo relatório divulgado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha, cerca de 700 crianças palestinas são detidas todos os anos para interrogatórios ou confinamentos. As prisões em geral são feitas de noite ou de madrugada, num clima de terrorismo que inclui quebrar portas ou disparar balas para o alto, aterrorizando as crianças e suas famílias. Há registros de ocorrências de tais atos de violência em Al-aroub Camp, Bit-rima, aldeia perto de Ramallah City, Bit Ummar aldeia, Nabi Saleh, e em outras comunidades palestinas. Cerca de 35% das crianças palestinas detidas são submetidas a assédio sexual de vários tipos. A associação Alsajeen gravou depoimentos de crianças vítimas de assédio sexual, inclusive ameaças de estupro.  Os maus-tratos  incluem ainda espancamentos, humilhação verbal e várias formas de violência que atingiram 80% das crianças detidas, segundo o B’Tselem, Centro de Informação Israelense para os Direitos Humanos. Esta entidade aponta ainda a prática de tortura física e psicológica nos menores, como a privação do sono, golpes nas mãos, obrigar as crianças a ouvirem música em volume altíssimo, mantê-las por várias horas sentadas em pequenas cadeiras, confinamento em celas escuras, ameaça de demolição de suas casas e até o aprisionamento de seus familiares. Israel utilizou diversas vezes armas proibidas por leis internacionais, como bombas de fósforo branco (artefatos incendiários que podem causar ferimentos terríveis ou morte por queimadura, inalação ou ingestão), bombas de fragmentação (artefato explosivo que libera projéteis ou fragmentos menores em alta velocidade e em todas as direções, com o objetivo de causar um grande número de vítimas, sobretudo crianças) e bombas de urânio empobrecido (consideradas pelos especialistas como um tipo de armamento nuclear), que provocam horríveis deformações nas vítimas, além de afetar outras gerações, por herança genética.) em seus repetidos ataques à Faixa de Gaza. Israel, única potência nuclear do Oriente Médio, com um arsenal não-declarado de cerca de 200 ogivas, é talvez o único país do mundo que não possui uma Constituição, assim como não tem fronteiras delimitadas: após a anexação das terras palestinas, entre 1947 e 1949, Israel ocupou territórios da Síria (colinas de Golã), do Líbano (fazendas Cheeba), do Egito (deserto do Sinai, restituído após os acordos de Camp David) e da Jordânia (Cisjordânia, hoje território administrado pela Autoridade Nacional Palestina, com soberania limitada pela ocupação sionista), nas guerras realizadas entre 1948 e 1982. O povo palestino vive hoje em regime de segregação racial, privado de direitos elementares e sofrendo constantes abusos e violências por parte do estado e dos colonos sionistas, sem contar com o apoio de leis ou instituições internacionais. Confinados em menos de 23% do território original da Palestina, sofrem o severo bloqueio econômico imposto à Faixa de Gaza, onde o partido político Hamas venceu eleições democráticas, com a participação de observadores internacionais, e um regime de “liberdade vigiada” (cada vez menos livre, cada vez mais vigiada) na Cisjordânia, administrada pela Autoridade Nacional Palestina, onde cresce o número de assentamentos judaicos, com o objetivo de inviabilizar a possibilidade geográfica, econômica e social de estruturação de um estado palestino autônomo. O sonho colonialista de Theodor Herzl, tornado realidade meio século após o Congresso Sionista da Basileia, converteu-se, para os palestinos, no mais cruel de todos os pesadelos.

Claudio Daniel é poeta, professor de Literatura Portuguesa e editor da revista Zunái.

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Referências bibliográficas

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

FINKELSTEIN, Norman. A indústria do Holocausto. Rio de Janeiro: Record, 2001. Na internet (em PDF): http://resistir.info/livros/filkenstein_pt.pdf

GATTAZ, André. A guerra da Palestina. São Paulo: usina do livro, 2002.

HERZL, Theodor. Oestado judeu. Ensaio de uma solução da questão judia. São Paulo: Tipografia-editora Monte Scopus, 1956.

LANGE, Nicholas. Povo judeu. São Paulo: Edições Folio, 2008.

SAID, Edward. Orientalismo. O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

____ . A questão da Palestina. São Paulo: Editora da UNESP, 2011.

SAND, Shlomo. A invenção do povo judeu. São Paulo: Benvirá, 2011.

____ . A invenção da terra de Israel. São Paulo: Benvirá, 2014.

Reportagens na forma de histórias em quadrinhos:

SACCO, Joe. Notas sobre Gaza. São Paulo: Schwarcz Editora, 2010.

_____. Palestina. São Paulo: Conrad, 2011.

Documentários disponíveis em vídeo na internet:

The zionist story (legendas em português), https://www.youtube.com/watch?v=3jNYlUj2gMU

Ocupation 101 – A voz da maioria silenciada (legendas em português), https://www.youtube.com/watch?v=H8CUdOZayu4

Al-Nakba (legendas em português), https://www.youtube.com/watch?v=-M9Hm49sS7Y

Depoimento de Norman Finkelsten, https://www.youtube.com/watch?v=oubv7uimM18

 

1 O título deste artigo faz referência à Resolução 3379 da Assembléia Geral das Nações Unidas, aprovada em 10 de novembro de 1975, que considerou o sionismo uma forma de racismo.

2 “Durante o Congresso da Basiléia, a liderança sionista definiu um programa prático baseado em três pontos: organização, negociação e colonização. Sob o primeiro aspecto, deveria dar-se prioridade suprema aos esforços de organização, com a implantação de um aparato quase-Estado para a função organizativa – a Organização Sionista Mundial. Quanto ao aspecto da negociação, iniciaram-se esforços diplomáticos junto à Inglaterra, Alemanha, Rússia e Império Otomano para produzir as condições políticas que permitiriam, facilitariam e protegeriam a colonização sionista em larga escala. Sob o aspecto da colonização, definiram-se os instrumentos de colonização imediata (as sociedades, agências e comissões), responsáveis pelo planejamento, financiamento e supervisão do processo de colonização – a colonização judaica já existente para a Terra Santa, de caráter incidental e desorganizada, seria suplantada por um programa nacionalista, com claros objetivos políticos.” (GATTAZ, 2002: 23)

3 “Durante seus primeiros anos, a ascensão de Hitler ao poder pareceu aos sionistas uma ‘decisiva derrota do assimilacionismo’. Por isso os sionistas puderam, ao menos durante algum tempo, se permitir certa medida de cooperação não criminosa com as autoridades nazistas; os sionistas também acreditavam que a ‘desassimilação’, combinada à emigração de jovens judeus e, esperavam eles, de capitalistas judeus para a Palestina, poderia ser uma ‘solução mutuamente justa’; na época, muitos funcionários alemães tinham essa opinião, e esse tipo de conversa parece ter sido bastante comum até o fim. Um judeu alemão sobrevivente de Theresienstadt relata em uma carta que todas as principais posições do Reichsvereinigung (Conselho de Anciãos Judeus) apontadas pelos nazistas eram ocupadas por sionistas (enquanto o Reichsvereinigung autenticamente judeu era composto tanto de sionistas como de não-sionistas), porque os sionistas, segundo os nazistas, ‘eram os judeus decentes’, porque eles também pensavam em termos ‘nacionais’. (…) Nesses primeiros anos, havia um acordo mútuo altamente satisfatório entre as autoridades nazistas e a Agência Judaica para a Palestina – um Ha’avarah, ou Acordo de Transferência, que permitia que um emigrante para a Palestina pudesse transferir seu dinheiro para lá em bens alemães e trocá-lo por libras ao chegar. Isso se tornou a única forma legal de um judeu levar consigo seu dinheiro (a única alternativa era a abertura de uma conta bloqueada, que só podia ser liquidada no exterior com uma perda de 50% a 95%). O resultado foi que nos anos 30, enquanto o judaísmo norte-americano fazia um grande esforço para boicotar mercadorias alemãs, a Palestina vivia inundada de todo tipo de bens made in Germany.” (ARENDT, 2013: 73-74) A cooperação inicial entre nazistas e sionistas, que Hannah Arendt chama de “não-criminosa”, estava relacionada ao projeto do estabelecimento de um Estado Judeu na Palestina, “mutuamente benéfico” às partes envolvidas (nessa época, não havia ainda o projeto da Solução Final e os nazistas discutiam diferentes saídas para a “Questão Judaica”, como a emigração forçada, a deportação de milhões de judeus europeus para o Leste ou a criação de um estado judeu na Palestina, Uganda ou em Madagascar, esta última uma ilha de possessão francesa com 4.370.000 habitantes e uma área de 365 mil quilômetros quadrados. “O ‘Estado Judeu’ deveria ter um governador policial sob a jurisdição de Himmler”, escreve Arendt. (O plano não deu certo pela dificuldade óbvia de se transportar 11 milhões de judeus pela via marítima durante a guerra.) Em 21 de setembro de 1939, o chefe do serviço de inteligência (SD) da SS, Heydrich, convocou uma reunião de “chefes de departamento” do RSHA (2) e dos Einsatzgruppen (grupos de extermínio que já operavam na Polônia) na qual anuncia que todos os judeus nos territórios ocupados seriam concentrados em guetos, administrados por Conselhos de Anciãos Judeus escolhidos pelos nazistas. Começa uma nova etapa na solução da “Questão Judaica” e na colaboração entre sionistas e nazistas para a Solução Final. Conforme escreve Hannah Arendt, “Eichmann e seus homens informavam aos Conselhos de Anciãos Judeus quantos judeus eram necessários para encher cada trem, e eles elaboravam a lista de deportados. Os judeus se registravam, preenchiam inúmeros formulários, respondiam páginas e páginas de questionários referentes a suas propriedades, de forma que pudessem ser tomadas mais facilmente; depois se reuniam nos pontos de coleta e embarcavam nos trens. Os poucos que tentavam se esconder ou escapar eram recapturados por uma força policial judaica especial. No entender de Eichmann, ninguém protestou, ninguém se recusou a cooperar” (Idem, 131). Mais adiante, a autora diz: “Em Amsterdam, assim como em Varsóvia, em Berlim como em Budapeste, os funcionários judeus mereciam toda confiança ao compilar as listas de pessoas e de suas propriedades, ao reter o dinheiro dos deportados, para abater as despesas de sua deportação e extermínio, ao controlar os apartamentos vazios, ao suprir forças policiais para ajudar a prender os judeus e conduzi-los aos trens, e até, num último gesto, ao entregar os bens da comunidade judaica em ordem para o confisco final. Eles distribuíam os emblemas da Estrela Amarela e, às vezes, como em Varsóvia, “a venda de braçadeiras tornou-se um negócio normal; havia as faixas comuns de pano e as faixas especiais de plástico que eram laváveis”. Nos manifestos que publicavam, inspirados pelos nazistas, mas não ditados pelos nazistas, ainda se pode perceber o quanto gostavam de seus novos poderes – “O Conselho Judeu Central foi brindado com o direito de dispor absolutamente de toda riqueza espiritual e material dos judeus e de toda força de trabalho judaica”, como dizia o primeiro anúncio do Conselho de Budapeste. Sabemos o que sentiam os funcionários judeus quando se transformaram em instrumentos de assassinatos: como capitães “cujos navios estavam a ponto de afundar e que conseguiam levá-lo em segurança até o porto atirando ao mar parte de sua preciosa carga” (…) A verdade era ainda mais terrível. O dr. Kastner, da Hungria, por exemplo, salvou exatamente 1684 pessoas entre cerca de 476 mil vítimas. A fim de não deixar a seleção a cargo do “destino cego”, eram necessários “princípios realmente sagrados como força guia para a fraca mão humana que registra no papel o nome de uma pessoa desconhecida e com isso decide sua vida ou sua morte”. E quem esses “princípios sagrados” selecionavam para a salvação? Aqueles “que haviam trabalhado toda a vida pela zibur (comunidade) – isto é, os funcionários – e os ‘judeus mais importantes’”, como diz Kastner em seu relato (ARENDT, 2013: 73-74).

 

4 O Acordo Sykes-Picot recebeu esse nome porque foi assinado pelos secretários de estado Mark Sykes (Inglaterra) e Georges-Picot (França), que conduziram negociações entre o final de 1915 e o início de 1916.

 

5 Diz o historiador Muhammed Muslih: “Estes novos imigrantes, que se estabeleceram em assentamentos no campo, eram europeus ignorantes e insensíveis aos costumes árabes na Palestina. Por exemplo, após estabelecer suas colônias, bloqueavam os direitos costumeiros de pastagem às vilas adjacentes, tomavam os carneiros que ultrapassavam as fronteiras e multavam os árabes que eram seus donos. Tais condutas levaram a violentos conflitos entre árabes e judeus. Os árabes sentiram-se alienados das terras que cultivaram por séculos.” (in GATTAZ, 2002: 61)

 

6 Edward Said escreve a esse respeito: “Israel tem negado a possibilidade de retorno dos palestinos, em primeiro lugar, por uma série de leis que declaram as terras de árabes na Palestina propriedade abandonada e, portanto, passíveis de desapropriação pelo Fundo Nacional Judeu (que é o proprietário legal da terra em Israel ‘para todo o povo judeu’, uma fórmula sem analogia em qualquer outro estado ou pseudo-estado); e, em segundo lugar, pela Lei do Retorno, segundo a qual qualquer judeu nascido em qualquer lugar do mundo tem o direito de reclamar cidadania e residência israelense imediatas (mas não um árabe, mesmo que possa comprovar sua residência e a de sua família por várias gerações na Palestina)” (SAID, 2011: 56).

 

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